quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Vamos falar sobre violência doméstica

 Eu nasci em uma ambiente favorável, acho que até amoroso, mas por volta dos meus 4 anos de idade, meu pai se transformou. Nossa vida doméstica virou um pequeno inferno eu diria.
 Meu pai tinha 22 anos quando eu nasci, segundo a lenda, ele estava noivo de outra mulher e seu pai, o dissuadiu a terminar a relação e se casar com a minha mãe. Ele aceitou a ideia, mas isso teve um preço e um chantagem.
 Meu pai vinha de uma classe social um pouco melhor, sua família tinha imóveis e viviam de aluguéis e um pequeno comércio.
 Já ela, era de origem humilde, e chegou a trabalhar junto com seus familiares em plantações de café no interior de Minas e São Paulo, mas também trabalhou como copeira, faxineira, enfim, subemprego de imigrante italiano. Sobre a sua cultura do interior, eu adoro relembrar, seja por meio do paladar, vide que minha família materna era de Minas Gerais, e minha mãe, como a maioria das mães, era a responsável por nosso desenvolvimento. Ela também me ensinou um pouco sobre música brasileira antiga, cantava as cantoras do rádio, as marchas de carnaval. Minha mãe já tinha um filho de um relacionamento bem anterior, meus pais tinham 10 anos de diferença e minha mãe era a mais velha na relação. Meu irmão por parte de mãe, não conheceu seu pai. Ele foi criado por todos os tios e por meu avô materno. Meu pai, sugere então, que minha mãe faça uma escolha, ou ele, ou meu irmão. Isso refletiu em toda a nossa vida, porque ela, que já havia tido um filho, aos 19 anos sem pai, poderia novamente viver essa "maldição da mãe solteira", por isso, meu irmão foi criado por tios e tias. Criamos um monstro, mas eu tinha um "pai".
 Meu pai se transformou em um alcoólatra extremamente violento, não sei quantas vezes fomos a delegacias para prestar queixas contra ele, ou quantas internações por conta do vício. Em uma visita dessas de domingo, fui vê-lo no famoso manicômio Juqueri em Franco da Rocha, no começo dos anos 80.
Há uma cena muito forte na minha memória, eu tinha por volta de 5 anos, e ele chegou em casa, com muita raiva, eu e minha irmã percebemos que ele iria bater na nossa mãe, então, ela sentada sobre a cama, nós duas a abraçamos, fazendo um ninho, tentando protegê-la,  conseguimos dessa vez. Só dessa vez.
 Seus problemas com o álcool e talvez outras drogas eram muito intensos, eu nunca entendi como essa dependência podia desencadear tanta raiva e violência em uma só pessoa.
 As relações entre meu irmão e meu pai, também só pioravam, chegaram a trocar socos e tiros, não éramos poupadas das cenas. Um dia, fugimos de casa, deixamos a maioria de nossas coisas para trás, meus brinquedos, me lembro deles até hoje, não consegui levar junto comigo. Nos mudamos para a casa da família do meu irmão, as coisas não eram fáceis, e meu irmão, que não era filho do meu pai, tinha a mesma personalidade violenta e alcoólica. Da mesma forma em que ele via o padrasto destilar sua raiva em sua mãe, ele não hesitou em fazer o mesmo com sua esposa. Vivi entre eles até os meus 25 anos, vi violência doméstica até os meus 25 anos. Ela acabou para mim aí...mas meus sobrinhos e minha cunhada, levaram mais tempo para ter paz. Vivendo ali, por anos, imaginei que alguém podia entrar na nossa casa e acabar com nossas vidas, porque meu irmão tinha ou tem uma índole descontrolada dentro de si, capaz de muitas inimizades, nunca soube se suas histórias eram ou não verdadeiras, mas eu não posso com elas.
 Minha mãe morreu quando eu tinha 19 anos, e por seis anos, ele tentou cercear minha liberdade, coisa que a minha mãe também fez, só cada um com suas motivações. A dela, por medo de que eu tivesse a mesma vida difícil que ela teve. E ele, por ser achar propietário pós-mortem.
Não me digam que o feminismo é desnecessário.


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